Shanti Shala

Afinal, querem domar os cabelos ou a mulher “rebelde”?

 

Texto de Dri Camargo

Tenho 47 anos, sou mãe, instrutora de Yoga, empresária. Trabalho muito, estudo muito. Posso ser considerada “empoderada” como se diz no jargão popular.

Jung desenvolveu o conceito sobre sincronicidade, e nesse ano especificamente, muitos textos e informações de fontes diversas chegaram até mim falando sobre auto aceitação. Daí você leitor pensa: “mas como assim, a ’empoderada’ não se aceita do jeito que é?” Infelizmente, caro leitor, não completamente! Juro que estou tentando e é por isso que resolvi escrever esse texto.

Sou vaidosa, mas não extremamente. Não tenho paciência de ficar horas dentro de um salão (mas já fiquei) e não me preocupo muito com as perdas inerentes ao envelhecimento. Me cuido, mas tenho plena consciência de que o relógio não pára. Mas, sempre tive cisma com os meus cabelos, rs!!! Eu tenho muito cabelo mesmo! É bem volumoso e obviamente, NÃO É LISO. E eu não passei incólume aos inúmeros produtos feitos para “domar cabelos rebeldes” aos procedimentos químicos, chapinhas e etc.

Então, aos 47 anos eu me pego justamente olhando um rótulo de produto que prometia, como dito anteriormente, “domar cabelos rebeldes”, e fiquei me perguntando: por que domar? Domar quem? O cabelo rebelde ou a mulher rebelde que não quer mais entrar em “conformidade” com algumas regras que o mundo a sua volta dita?

Sei que pode parecer banal para alguns esses assuntos e, continuo achando cabelos lisos lindos (minha filha os tem e eu vivo babando neles!) mas acho importante que para cada um de nós, chegue a hora de deixar para trás padrões, estereótipos, imagens, regras… que te aprisionem. E não importa a hora pois enquanto se está vivo, há possibilidade de mudar, transmutar, transcender…

Então, para finalizar esse relato e não por coincidência, encontrei esse texto (ou ele me encontrou) chamado “Querida garota do maiô verde”. Esse texto viralizou no verão europeu em 2018. Trata-se de uma carta que a espanhola Jessica Gomez escreve a uma jovem desconhecida que estava ao seu lado na praia. Vale muito a pena ler e espero que te ponha para refletir assim como fez comigo.

Ps. Ah, você pode pensar: e as luzes no cabelo, rs? Bem, como eu disse antes, estou em processo… mas já está na pauta da minha agenda. Boas reflexões!

 

Querida garota do maiô verde:

Sou a mulher da toalha ao lado. A que veio com um menino e uma menina.

Antes de mais nada, quero te dizer que estou me divertindo muito perto de você e de seus amigos, neste pedacinho de tempo em que nossos espaços se tocam e suas risadas, sua conversa ‘transcendental’ e a música de sua turma me invadem o ar.

Fiquei meio atordoada ao perceber que não sei em que momento de minha vida deixei de estar aí para estar aqui: deixei de ser a menina para ser “a senhora do lado”, deixei de ser a que vai com os amigos para ser a que vai com as crianças.

Mas não te escrevo por nada disso. Escrevo porque gostaria de te dizer que prestei atenção em você. Não pude evitar.

Vi que você foi a última a ficar só em traje de banho.

Vi você ficar atrás de todo o grupo, discretamente, e tirar a camiseta quando acreditava que ninguém estava olhando. Mas eu estava. Não estava olhando para você, mas te vi.

Vi você se sentar na toalha em uma postura cuidadosa, tapando o ventre com os braços.

Vi você colocar o cabelo atrás da orelha inclinando a cabeça para alcançá-la, talvez para não tirar os braços de sua estudadíssima posição casual.

Vi você se levantar para ir dar um mergulho e engolir em seco, nervosa por ter de esperar assim, de pé, exposta, por sua amiga, e usar uma vez mais seus braços para encobrir as estrias, a flacidez, a celulite.

Vi você agoniada por não conseguir tapar tudo ao mesmo tempo enquanto ia se afastando do grupo tão discretamente como tinha feito antes para tirar a camiseta.

Não sei se tinha algo a ver, em sua insatisfação consigo mesma, o fato de a amiga por quem você esperava soltar a longuíssimo cabeleira sobre umas costas em que só faltavam as asas da Victoria’s Secret. E enquanto isso você ali, olhando para o chão. Procurando um esconderijo em si mesma, de si mesma.

E eu gostaria de poder te dizer tantas coisas, querida garota do maiô verde… Talvez porque eu, antes de ser a mulher que vem com as crianças, já estive aí, na sua toalha.

Eu gostaria de poder te dizer que, na verdade, estive na sua toalha e na de sua amiga. Fui você e fui ela. E agora não sou nenhuma das duas – ou talvez ainda seja ambas – assim, se pudesse voltar atrás, escolheria simplesmente curtir a vida em vez de me preocupar – ou me vangloriar – por coisas como em qual das duas toalhas, a dela ou a sua, prefiro estar.

Queria poder te dizer que vi que carrega um livro na bolsa, e que qualquer ventre que agora tenha seus dezesseis anos provavelmente perderá a firmeza muito antes de você perder o juízo.

Eu gostaria de poder te dizer que você tem um sorriso lindo e que é uma pena estar tão ocupada em se esconder que não te sobre tempo para sorrir mais vezes.

Eu gostaria de poder te dizer que esse corpo do qual você parece se envergonhar é belo simplesmente por ser jovem. É belo só por estar vivo. Por ser invólucro e transporte de quem você realmente é e poder te acompanhar em tudo que você faz.

Eu adoraria te dizer que gostaria que você se visse com os olhos de uma mulher de trinta e tantos porque talvez então percebesse o muito que merece ser amada, inclusive por você mesma.

Eu gostaria de poder te dizer que a pessoa que um dia te amar de verdade não amará a pessoa que você é apesar de seu corpo e sim adorará seu corpo: cada curva, cada buraquinho, cada linha, cada pinta. Adorará o mapa, único e precioso, que se desenha em seu corpo e, se não o fizer, se não te amar desse jeito, então não merece seu amor.

Eu gostaria de poder te dizer – e acredite, mas acredite mesmo – que você é perfeita do jeito que é: sublime em sua imperfeição.

O que posso te dizer eu, que sou só a mulher do lado?

Mas – sabe de uma coisa? – estou aqui com minha filha. É aquela do maiô rosa, a que está brincando no rio e se sujando de areia. Sua única preocupação hoje foi se a água estava muito fria.

Não posso te dizer nada, querida garota do maiô verde…

Mas vou dizer tudo, TUDO, a ela.

E direi tudo, TUDO, ao meu filho também.

Porque é assim que todos merecemos ser amados.

E é assim que todos deveríamos amar.